sábado, abril 08, 2006

Recordação de infância...

Os paralelipipedos de basalto luzidio, banhados pela chuva, cresciam desmedidamente como écrans negros gigantes, vistos por aqueles olhos fixos por detrás das vidraças.

Em miúda começára a sonhar acordada, não sei com que memória antiga a perder-se em névoas distantes.

Ideias que tinha, às vezes assaltavam-na como se fossem gigantes que a engoliam.

Ficava presa delas por tempos infindos.

Ainda hoje era concerteza de olhar sonhador que revia a sua juventude em Lisboa.

Em caixas de sapatos todas perfuradas alimentara bichos da seda com folhas de amoreira que apanhava no Castelo de S. Jorge.

Por essa altura andava-se mais de carro eléctrico e era ainda em burros e carroças que chegavam os víveres ao mercado da Ribeira vindos dos arredores.

Nos bairros populares os candeeiros eram acesos à noite por um homem que voltava de manhã para apagá-los.

As mercearias de bairro vendiam quartas de açucar, litros de grão e de feijão e postas e caras de bacalhau que embrulhavam em papel vegetal e depois em papel pardo.

Nas limpezas usavam-se as barrelas e sabonárias e havia o sabão amarelo para o soalho.

Nas drogarias e farmácias vendiam-se coisas muito pouco complicadas que resolviam os problemas das nódoas e das enfermidades mais corriqueiras.

Crescera assim embalada numa espécie de neblina que suporta e sustenta uma ingenuidade genuina, mas esta brigava sempre com o resto do dia a dia, até que um dia pensou que nunca se integraria, seria rebelde sempre... e sózinha.

Ao longo dos anos aprendera no entanto que havia coisas bonitas, como laços feitos de fios ínvisíveis que ligavam as pessoas...então com o seu olhar distante sorria...

21 de Fevereiro de 2006

2 comentários:

Isabel José António disse...

Lisboa, essa cidade mulher que em si alberga, com carinho, toda uma multidão que a ama tanto... Cidade especial, com ALMA! Cidade que nos faz sentir vivos, nos seus recantos pacatos, na animação das suas ruas íngremes, na zona perto do Tejo...

Que belas recordações!

Isabel

Isabel José António disse...

Coisas antigas já passadas
Que traziam inocência
De outras coisas acabadas
Que cheiravam a emanência

Emanência da simples vida
Vivida naquela descoberta
De quem em si dá guarida
E deixa sempre a porta aberta

Porta aberta para sonhar
E também para (se) descobrir
Que a vida é feita a tropeçar
A saber, a sonhar e a intuir

Muito bonito

José António