sábado, abril 08, 2006

A dádiva...


Liliana vivia perto da costa, numa gruta.

A gruta tinha túneis que davam acesso a vários sítios.

Meteu-se por um deles que dava para o mar e aí chegada, sentou-se numa pedra a pensar...

-Que prenda poderia ela dar à divindade pois que se aproximava o dia de lha levar?

Era este o seu problema ultimamente,mas por mais que pensasse não conseguia achar nada suficientemente valioso.

Liliana sabia que outros teriam outros meios e mais ideias, até valores que não pensava almejar, mas ela queria algo intrínseco, próprio, único - que só um deus a sério poderia entender que seria mesmo dela.

E assim passou bastante tempo a ver o mar...

Deus tinha tudo, fosse o que fosse que levasse...

Voltou à gruta, melancólica... Ía aquecer-se ao lume, talvez surgisse uma ideia...

As ideias vinham em desfile, mas Liliana não lhes achou proveito, não podia adiar mais.

Metendo-se por outro túnel bem comprido foi sair junto a um monte de pedras cobertas de musgo e a uns arbustos que disfarçavam a entrada.

O terreno alongava-se campos fora com árvores dispersas quase a perder de vista, não fora ao longe, enfileiradas, as que bordejavam a floresta.

Parecia-lhe impossível, mas por mais que lhe ocorresssem ideias, nada lhe parecia suficientemente bom e estava de mãos vazias.

À sua volta o céu era azul claro,havia pouco vento e tudo tinha tons de verde, claros e escuros em contraste com a terra de barro acastanhado. Pelo caminho em direcção à floresta sentiu que as suas vestes de linho e serapilheira talvez não fossem as mais apropriadas, mas também não tinha outras.

Olhou os pés e as sandálias e então viu-a: uma folhinha..uma folha verde simples, mas bem delineada, com a nervura inteira, lanceolada, sem estar partida ou carcomida,de um verde intenso e perfeitinha. Era como uma folha pode ser, só folha, simples e que no entanto em si encerrava a história toda, porque em si estava contida a essência da natureza.

-Só um deus irá perceber o que lhe quero dizer quando lha entregar, porque é tudo o que tenho e não possuo mais que isto. Ele vai compreender...

Isto ía Liliana pensando enquanto se embrenhava mais e mais pela floresta.

Chegou a uma clareira aonde havia um lago e aí era suposto alguém vir receber os presentes para levar à divindade. Não lhe pareceu ver ningém no lago rodeado de pedras, até que o movimento suave denunciou uma criança. Quase nu, só com uma tanga,levantou-se e esperou que Liliana se aproximasse para lhe entregar aquilo que levava.

Liliana, envergonhada, estendendo as mãos em forma de concha, entregou-lhe esperançada aquela verde folhinha...

-Desculpe, só tenho isto.. - disse ainda, atrapalhada.

Quando se virava para refazer o caminho, a criança chamou-a com um sorriso e entregou-lhe em mão uma folha igualzinha, só que esta era dourada.

Liliana não esperava, ficou muda de espanto.

Como é que podia ser ?

O que tinha acontecido?

O que queria dizer isto?

Liliana dava consigo a meditar à beira-mar, sem saber bem se a folhinha existia ou se tinha só sonhado...


27 de Janeiro de 2006

3 comentários:

Isabel José António disse...

História de grande simbolismo, quem dá tudo aquilo que possui, descobre que lhe é retribuído em MIL pela Vida...

Isabel

Isabel José António disse...

O ritmo desta história é vivo, pelono de mistérios e de lugares da Natureza.
O gesto de Liliana é o de DAR-SE a si mesma numa pequena folha. Folha que tembém ela reproduz o UNIVERSO inteiro.

Que mais poderia receber?... Outro Universo já mais maduro.

Muito Bonito

José António

Maria Azenha disse...

pois é...liliana...ou Lili ama?

Lindo:))


***maat